Resolvi me render ao blog. Decidi começar com um artigo que escrevi para o jornal em que trabalho, e após esta postagem faço uma apresentação do que será este espaço. A pressa para postar o texto é aproveitar que o assunto está em foco e presente em praticamente todos o meios de comunicação como nunca esteve antes. Como é também um assunto de importância pessoal, achei por bem começar desta forma.
Em que mundo nós estamos?
Uma repórter, um fotógrafo e um motorista do Jornal O DIA foram seqüestrados e torturados na Favela do Batan, em Realengo, na Zona Oeste do Rio, quando faziam uma matéria especial para o veículo. Uma notícia como esta, seis anos após o jornalista Tim Lopes ter sido torturado e executado pelo traficante Elias Maluco, já causa indignação por si só.
Espanto? O espanto fica por conta das vítimas pertencerem a um meio de comunicação, porque, na verdade, seqüestros e torturas já fazem parte do cotidiano destas comunidades. O assombro maior surge quando, diferente do que a maioria pensa quando começa a ler a notícia, se descobre que os responsáveis por esta barbárie não são traficantes, e sim os que deveriam, e são pagos, para garantir a segurança da população: policiais e até ex-policiais.
A milícia, como é chamado este grupo formado por policiais, ex-policiais, bombeiros, agentes penitenciários e militares, é uma organização que surgiu em uma favela do Rio de Janeiro há pouco menos de 30 anos, se espalhou por outras comunidades, e, diga-se de passagem, sem qualquer impedimento das autoridades, que até pouco tempo não confirmavam abertamente sobre esta prática.O grupo atua da seguinte forma: acaba com o tráfico na área, expulsando ou até mesmo matando os traficantes, mas, em contrapartida, cobra taxas de segurança para moradores e comerciantes locais. Todos os serviços são cobrados pelos milicianos: serviços de transporte alternativo, como van, kombi, mototáxi, botijão de gás, ligações clandestinas de TV a Cabo, etc. Nem precisa citar que as cobranças, que já são arbitrárias, tem ainda o agravante de serem feitas mediante ameaças. Em uma única palavra: Extorsão. Fora o fato de serem uma quadrilha e cometerem homicídios, caso suas ordens não forem cumpridas.
Diante desta realidade, com a atuação cada vez mais presente destes bandidos fardados nas comunidades, chegamos ao ponto dos cariocas estarem preferindo, e até sentindo saudade, da época em que havia o domínio de traficantes nos locais hoje ocupados pelas milícias.Não é de se estranhar a opção, levando-se em conta que em ambos os casos os moradores são obrigados a seguir as leis próprias das favelas, como se vivessem em um “estado paralelo”, sendo que com a presença do tráfico, pelo menos dentro dos limites da área, esta população diz se sentir mais segura. Atualmente, existem apelos para a volta de criminosos, que já foram notícia devido atos de extrema crueldade, porque os que deveriam garantir a segurança e manter a ordem não estão cumprindo o seu papel devidamente.
Antigamente existia a insegurança de andar pelas ruas a noite. Depois, começamos a ficar sujeitos a assaltos a qualquer hora do dia. Hoje, além de andarmos atemorizados com a possibilidade de não sermos apenas assaltados, mas também torturados brutalmente pelos bandidos, somos obrigados a conviver com uma polícia que não é polícia, que comete os crimes mais cruéis em nome de uma falsa segurança. Convivemos na verdade com bandidos que já se misturaram e estão infiltrados dentro do poder público.
Quando achamos que não podemos nos surpreender com mais nada, que os níveis da criminalidade já alcançaram níveis insuportáveis e inimagináveis, acontece algum fato que nos faz constatar que realmente não sabemos onde vamos parar.
Priscilla Malafaia – jornalista do A VOZ DA CIDADE, nascida no Rio de Janeiro, e que após seis anos no interior, tem restrições sobre voltar a morar na capital.